Dentre os mais absurdos regimes racistas que infelizmente foram concebidos ao longo de toda a história e alguns que ainda hoje insistem em vigorar, o Apartheid foi sem dúvida alguma uma das políticas mais cruéis.
Implantado em 1948 com o princípio de se obter uma população tida por “classe pura”, o Apartheid dividia os habitantes em grupos sociais segregando as áreas residenciais, bem como serviços públicos fundamentais como saúde e educação, e negava aos negros, mestiços e ocidentais direitos sociais, políticos e econômicos, já que eram considerados a porção podre da sociedade que representava três quartos de toda a população sul-africana e que, claro, na luta por seus direitos, eclodia constantes revoltas contra o governo e a classe beneficiada pelo regime: os brancos.
Neste cenário de revolta interna e conflito entre as classes raciais ganhou destaque o líder ativista Nelson Mandela, o principal representante do movimento anti-apartheid que era visto pelo governo como um terrorista e pela população discriminada, como um guerreiro na luta pela liberdade, já que organizava constantes movimentos que tinham por objetivo a abolição do sistema de segregação racial. Sendo então uma grave ameaça ao sistema político sul-africano, Mandela foi acusado e condenado por sabotagem contra alvos militares do governo e do exército, pena que cumpriu ao longo de 26 anos até ser liberado em 1990 sob ordem do então presidente Frederick de Klerk, um adepto da extinção do regime segregacionista cujas iniciativas culminaram com a abolição oficial do sistema em 1992 e uma nova constituição em 1993, que dentre outras leis, previa as eleições com a participação da maioria negra que no ano seguinte elegeram o líder negro Nelson Mandela como o novo presidente sul-africano.
E é a partir daqui que se inicia Invictus, a nova obra-prima de Clint Eastwood.
As leis de fato tinham agora os negros como legítimos cidadãos do país, contudo o conflito entre brancos e negros ainda existia, a segregação racial, ainda que extinta nos papéis, ainda assim persistia, e era essa a principal preocupação de Mandela ao início de seu mandato. Era necessário um elo que promovesse a verdadeira abolição da divisão racial e a união das classes, e foi na Copa Mundial de Rúgbi em 1995, cuja sede foi a África do Sul, que Mandela viu a chance única de se unir uma nação através do esporte: o objetivo exclusivo de ver seu país campeão.
A história em si já é um perfeito roteiro de cinema, porém tudo em Invictus se torna ainda melhor a cada instante, desde as seqüências que são perfeitamente engajadas na trama às atuações que beiram a perfeição, afinal, chega a ser quase impossível não “ver” Nelson Mandela na interpretação de Morgan Freeman que não só se destaca nas falas (carregadas de um perfeito sotaque), como principalmente nas características inefáveis de Mandela, como a maneira de olhar, o caminhar e até mesmo a maneira de sorrir, assim como Matt Damon no papel de François Piennar, capitão do Springboks (o time de Rúgbi sul-africano), que se entrega ao personagem, cativa o público gradativamente e mostra que não só é capaz de fazer nos cinemas um dos mais memoráveis agentes secretos, como também interpretar um jogador de Rúgbi que definitivamente será lembrado por longos anos.
È certo que filmes baseados em acontecimentos históricos convencem a poucos (exceto as produções que giram em torna da Segunda Guerra, já que o foco de toda a narrativa sempre varia e tudo então passa a ser visto de diferentes maneiras), porém o desenvolvimento de Invictus, assim como as sensações despertadas em todo o público, a cada instante cativa ainda mais, de maneira que se chega a esquecer que estamos vendo uma narrativa baseada em um acontecimento cujo desfecho já é conhecido, afinal, tudo é tão bem feito e convincente que verdadeiramente é como se estivéssemos assistindo ao vivo a uma partida de Copa do Mundo.
Um filme único, encantador e simples, se analisado quanto às técnicas utilizadas: a típica produção de Clint Eastwood que mais uma vez se faz valer nas telas como o melhor diretor da atualidade em um filme que encanta a todas as classes e faz de um esporte sem muita popularidade (ou até mesmo de desconhecimento total a alguns), se tornar o único esporte do coração do espectador ao longo de toda a narrativa.
Invictus infelizmente não teve todo seu devido reconhecimento, nem as indicações e prêmios que merecia, afinal, em uma lista de 10 indicados a Melhor Filme no Oscar, chega a ser incompreensível o porquê Invictus não está entre os melhores (o que se torna ainda pior quando o vencedor é uma produção que nem mesmo teve sua estréia nos cinema e foi direto se empoeirar nas prateleiras das videolocadoras brasileiras), o que evidencia ainda mais as diversas injustiças cometidas pela Academia em 2010, que omitiu um filme que realmente seria merecedor do prêmio e insistiu na idéia de homenagear (e não premiar) um ator, já que não há explicação plausível alguma para entender por que Jeff Bridges levou a estatueta pelo ridículo Coração Louco e não Morgan Freeman cuja atuação em Invictus é definitivamente superior.
Entretanto um bom filme não é feito por estrondosas bilheterias ou premiações e por isso todas as qualidades de Invictus se tornam ainda melhores quando um simples filme baseado em acontecimentos históricos ao poucos converge em uma produção memorável e emocionante como nenhuma outra.