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Distrito 9


Se existe uma palavra que possa definir o espírito do cinema atual e sua tendência cada vez mais eloqüente, essa palavra é inovação. Claro que o desejo de utilizar tecnologias cada vez mais avançadas sempre existiu, porém agora tudo nas telas parece convergir em uma necessidade imprescindível de novos meios tecnológicos para se fazer um bom cinema, ainda que seja certo que tal tendência de maneira alguma é sinônimo de um filme digno de prêmios e até mesmo admiração (James Cameron que o diga com seu Avatar de 500 milhões e suas três míseras estatuetas do Oscar), afinal, um bom filme é feito por história, atuações marcantes e antes de tudo, elementos que o tornem único: assim como Distrito 9.

Tido por alguns como o elemento surpresa de 2009 (isso porque sua filmagem foi descoberta somente ao fim de toda produção), Distrito 9 é dirigido pelo estreante Neill Blomkamp e produzido por Peter Jackson, o famoso, ambicioso e premiado diretor de O Senhor dos Anéis e King Kong, e apesar de não trazer rostos famosos, nem o espírito americano de cinema, talvez seja o filme mais inovador, polêmico, divertido e estranho dos últimos, pelo menos, cinco anos.

A narrativa, que se inicia como um documentário, conta a história de uma nave espacial que se instalou sobre a cidade de Johannesburgo, na África do Sul e lá permanece durante 20 anos; não se sabe se quebrou, simplesmente parou ou então um possível ataque contra a população é planejado, o que implica às autoridades locais a necessidade de se saber o que há dentro da nave: diversos alienígenas mortos, doentes e outros em condições lastimáveis, que são então “hospedados’ em uma restrita área de Johannesburgo: o Distrito 9 , uma espécie de favela que passa a ser habitada somente pelos extraterrestres, e a entrada de humanos, claro, é expressamente proibida.

Tudo já seria demasiadamente estranho se a linha narrativa se mantivesse aqui: um filme de ficção cujo foco são alienígenas que passam a habitar um território humano, contudo a história ganha mais ímpeto e se torna ainda melhor e divertida quando Wikus Van Der Merwe, que está em uma missão no Distrito 9 pela Multi-Nation United (um tipo de ONU fictícia) é contaminado e torna-se um híbrido entre humanos e alienígenas, que, em graduais mutações passa, de maneira assustadora, a se tornar um dos extraterrestres.

Inovação à parte, Distrito 9 há de criar diversos admiradores como também legiões de pessoas que o odiarão, afinal, o que se tem aqui é um filme de ficção científica que a cada momento parece adentrar ainda mais em um roteiro completamente louco, perturbador, porém muito bem feito em diversos quesitos, como a linha narrativa, que deixa de ser como um documentário após os 10 primeiros minutos, as atuações, que introduzem cada vez mais o espectador no universo da narrativa, a caracterização dos alienígenas de maneira sensacional e principalmente aos efeitos especiais, que contribuem ainda mais à atmosfera tensa de toda a história.

Louco, estranho e um entretenimento como nenhum outro que deve ser tido como referência no que se diz respeito à inovação no cinema: a tecnologia associada a um roteiro convincente de uma produção de destaque. Um filme que deve ser visto por muitos, contudo, que há de dividir opiniões e ser, infelizmente, admirado por poucos.

Bastardos Inglórios


Se há um diretor que ostenta cada vez mais diferentes críticas a seu respeito, esse alguém é Quentin Tarantino, enquanto a alguns é tido apenas como um nerd que resolveu fazer cinema baseando-se em seus fascínios adolescentes, por outros é tido como um mestre do cinema atual que se destaca por trazer produções que muita das vezes conseguem, sem se ater a efeitos ou até mesmo trilhas sonoras, manter um diálogo tenso, que conduz o espectador a um interesse cada vez maior na narrativa (15 minutos de Kill Bill Vol. 2 para compreender que de fato, tal afirmação de modo algum condiz coma realidade, e que os diálogos de Tarantino não passam de cenas cansativas, ridículas, que nada incitam senão o desejo de se desligara TV) . Portanto, se há necessidade de citar as qualidades de Tarantino, que seja dita a atmosfera sinuosa e a violência extrema de seus filmes, que essa sim, é sua marca registrada e que faz de seus filmes produções de destaque (se boas ou não, já é outra história).

Depois de Pulp Fiction, Cães de Aluguel, Kill Bill Vol. 1 e Vol. 2 e outros trabalhos não tão famosos, mas também violentos e com um roteiro quase esquecido (ainda que Pulp Fiction tenha recebido alguns elogios) era certo que Quentin Tarantino não passava de um jovem diretor que não se importava de maneira alguma em fazer bons filmes ao público, mas em apenas criar produções que agradassem a si próprio e fossem, claro, repletos de seus estranhos fascínios.

Porém surge Bastardos Inglórios, a possível comprovação do amadurecimento de Quentin Tarantino ou então apenas uma exceção à regra de sua polêmica carreira.

A história dividida em capítulos (como os demais de Tarantino) inicia-se na França ocupada por nazistas em que Shosanna Dreyfus testemunha a execução de sua família judia por ordens do coronel nazista Hans Landa, ela então foge desesperada para Paris, onde assume uma nova identidade e posteriormente se torna dona de um cinema. Paralelo a isso, também na Europa, há o tenente Aldo Raine (finalmente uma interpretação sensacional de Brad Pitt), líder de um grupo de soldados judeus conhecido por Bastardos, cuja única missão é torturar e matar nazistas, missão esta cujo ápice de seu objetivo se concentrará no cinema em que Shosanna planeja sua vingança.

Um roteiro que mistura fatos históricos com uma ficção tensa e divertidíssima. É certo que Bastardos Inglórios não agradará àqueles que acreditam piamente na idéia de que ficção é ficção e realidade é realidade, porém há de se compreender que o que Tarantino faz aqui é um roteiro digno de um filme que até então nunca havia feito em nenhum de seus trabalhos anteriores. Ma não só um bom roteiro e uma linha narrativa cativante, Bastardos Inglórios tem outros dois fatores que o tornam melhor ainda mais, e que podem provar (ou então ser uma exceção), de que Tarantino reviu sérias conseqüências: atuações de destaque, convincentes e marcantes e o uso da violência como algo necessário à história e, se comparado a outros, uma violência “singela” que não constrange o espectador, mas que trazem ao filme uma atmosfera cada vez mais propícia às qualidades da narrativa.

Clima tenso, violento e misturado a constantes doses de humor que elevam o entretenimento da história e que se torna ainda melhor quando os dois destaques da trama contracenam: Brad Pitt e Christoph Waltz (que levou merecidamente o Oscar de melhor ator coadjuvante). Brad Pitt, que de fato jamais teve destaque em suas atuações, traz à tela um contraste de bom humor com sinuosidade e tensão, que mesmo sem dizer frase alguma em determinados trechos ainda assim se mantém em cena, como Christoph Waltz, na pele do coronel nazista Hans Landa, que além de atuar em mais de três idiomas, eleva ainda mais o clima sombrio e perspicaz da narrativa.

Enfim, a obra-prima de Quentin Tarantino como diretor, um filme admirável, premiado e que prova que, se quiser, Tarantino pode reunir suas qualidades, reter seus fascínios exagerados, consertar graves erros e realizar ótimos filmes.

Preciosa - Uma história de esperança


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Que o Oscar é uma verdadeira caixa de surpresa repleta de coisas boas, ruins, blockbusters e produções muita das vezes que vem a ser desconhecidas por quase todo o público, isso não é novidade. Todo  ano é quase sempre a mesma historia: um ou dois dos indicados são conhecidos por quase todos, um ou outro está lá por razões que de maneira alguma é compreensível o porquê, mas que ainda assim a Academia faz questão de indicar (como sempre acontece com os irmãos Coen), outros que são verdadeiramente dignos de tal premiação, e outros dos quais jamais se ouviu menção alguma até então, seja do próprio filme, do elenco ou de seu diretor. Assim como foi com Precisa, o drama dirigido por Lee Daniels, o desconhecido e “recente” diretor do também desconhecido por muitos, Matadores de Aluguel.
Preciosa, baseado no romance “Push” de Sopphire, como diz a tradução do título original, conta a conturbada história de Claireece Precious Jones (interpretada pela novata, mas de maneira alguma ruim, Gabourey Sidibe); Preciosa, como é chamada por todos, é uma garota de 16 anos, negra, obesa, analfabeta, que está grávida do segundo filho de seu pai que a violenta sexualmente desde os três anos de idade e possui uma mãe demasiadamente violenta, drogada e envolta a bebidas alcoólicas, fatores estes que não só promovem ao filme uma atmosfera extremamente pesada e de comoção, como também nos leva a refletir em quê um filme comeste roteiro nos acrescentaria, ou até mesmo o porquê alguém faria um filme como este.
Contudo, já é nos primeiros 5 segundos de Preciosa que se percebe que, apesar do drama e da difícil vida de Claireece Jones, a moral do filme certamente será bem diferente e até mesmo contrastável com o que se verá nos próximos minutos. Isso porque antes mesmo de tudo começar surge na tela o provérbio “Tudo é um presente do universo”, frase esta que com certeza é lembrada ao se chegar ao desfecho da narrativa.
Apesar das diversas indicações, não só do Oscar, mas também de outras importantes premiações, Preciosa levou a estatueta de melhor atriz coadjuvante e melhor roteiro adaptado, os dois únicos fatores que de fato fazem de Preciosa um filme merecedor do prêmio, afinal, apesar do roteiro brilhante, das atuações convincentes e marcantes, quase tudo aqui deixa a desejar, desde a trilha sonora, a fotografia e até mesmo como tudo se dá na tela; claro que isso de modo algum faz de Preciosa um filme ruim (muito pelo contrário), mas são falhas que se não existissem contribuiriam muito mais ao desempenho final de toda a produção e com certeza ao aperfeiçoamento na técnica de fazer com que todo o público compreenda e sinta a moral da narrativa.
Porém, Preciosa é um filme feito pela emoção e não pela razão, portanto, o que vale aqui é o roteiro e as atuações, e estes de maneira alguma deixam a desejar, principalmente a atuação de Mo’nique como a mãe violenta, estúpida e viciada, e se ao longo do filme sua premiação como melhor atriz coadjuvante ( que foi unânime nas mais importantes premiações do cinema) for duvidosa a alguns, basta aguardar e ver sua atuação nas cenas que levam ao desfecho da narrativa, uma atuação marcante, comovedora, que não só promove a reflexão de todos com relação a tudo até então mostrado, como também emociona.
Um filme, claro, conturbado, triste, mas que, apesar de sua narrativa pesarosa e do lado negativo de tudo, nos leva e pensar no lado bom de todas as situações, na força de vontade de muitos e o desejo de mudança por uma vida melhor, e que, apesar de muita das vezes o fim ser um fator determinado e inalterável, vale a pena lutar. Moral esta que o próprio título em português estampa em sua capa em um nome que diz tudo: Preciosa – Uma história de Esperança.

Ilha do Medo



Se há um ator que evoluiu de maneira espetacular ao longo do tempo, esse alguém é Leonardo DiCaprio. Depois de trabalhos como Romeu e Julieta, A Praia e O Homem da Mascara de Ferro, era quase certo que não passava de um rosto bonito, entediante e que não possuía talento algum como ator e estava lá apenas como uma melhora visual à produção, fato que ainda hoje ocorre em alguns filmes que não visam qualidade alguma senão marketing.

Porém, eis que em 2007 surge Os Infiltrados, o vencedor do Oscar, dirigido por Martin Scorsese que mostrou na tela um novo Leonardo DiCaprio: maduro, talentoso e um ator como nenhum outro, e aos que ainda ficaram em dúvida com relação ao seu real valor à sétima arte, veio então Diamante de Sangue e o possível ápice de Leonardo DiCaprio em uma atuação que beira a perfeição, que garantiu sua indicação na Academia e que o consagrou como um dos melhores da atualidade.

Agora, o ator volta em Ilha do Medo, um suspense baseado no livro de Dennis Lehane (o mesmo autor do esplendoroso Sobre Meninos e Lobos) e dirigido por Martin Scorsese, firmando assim ainda mais sua parceria com o ator, o que aconteceu também em Gangues de Nova York, O Aviador e, como já mencionado, Os Infiltrados.

A nova trama conta a história de Teddy Daniels, um agente de segurança que junto a um parceiro (na trama, Mark Ruffalo) é chamado às pressas a um hospital psiquiátrico localizado em uma ilha (a famosa Shutter Island que leva o nome original da película), um sanatório onde são abrigados os mais perigosos assassinos tidos por loucos, um lugar cuja segurança é infalível, e a fuga, claro, impossível. Porém uma das pacientes simplesmente desaparece de sua sala, instaurando assim o sentimento de desconfiança em toda a direção do local.

Simples, não tão digno de atenção no início, porém,assim como a carreira de DiCaprio, Ilha do Medo, minuto a minuto se aperfeiçoa cada vez mais e se torna um filme incrivelmente complexo, sombrio, psíquico e bem feito. Isso porque, aos poucos, tudo ao redor de Teddy parece conspirar contra si próprio, e até mesmo o desaparecimento de Rachel Solando (a paciente) é suspeito, até por que não existe prova alguma que comprove de fato sua existência no Ashecliffe Hospital. E é em meio a esse cenário sufocante e de suspense que Teddy Daniels (o próprio Leonardo DiCaprio) descobre que o assassino de sua ex-mulher que morreu em um incêndio criminoso encontra-se internado no próprio hospital, fato este que traz à tona um passado de certo modo até então “esquecido”, e que faz com que renasça em si um sentimento de vingança.

É história atrás de história, descoberta, atrás de descoberta, um roteiro digno de admiração e um frio na barriga que muitos tentam, mas passam longe de tal objetivo, afinal, tudo aqui faz com que o filme caminhe de maneira cada vez melhor e alcance de fato suas metas, desde a fotografia, a trilha sonora, as perfeitas atuações, e antes de tudo, um roteiro estarrecedor, crédito este a Dennis Lehane, o autor do livro, mas também a quem o adaptou, afinal, se há um diferencial em Ilha do Medo, é o modo como tudo se dá na tela, o dá a impressão de que realmente estamos lendo um livro, pois toda a tensão promovida e a linha narrativa que se desenvolve de maneira cada vez melhor é idêntica à que se obtém com bons romances policiais.

Enfim, uma ótima produção, um filme de se admirar e ao mesmo tempo de se enlouquecer com seu roteiro que beira à perfeição. Ótimas atuações, cenas memoráveis e um final inesperado que o consagra ainda mais em suas qualidades, assim como a de DiCaprio como ator, afinal, não fosse seu talento a cena de desfecho jamais seria tão boa e perturbadora quanto é.

Psíquico, sufocante, admirável e com certeza, um dos melhores do gênero.

 
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